quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Atendendo a pedidos

Nesta vida de cozinhar, já inventei, criei, centenas, talvez chegue à faixa dos milhares, de receitas.
Muitas vezes, por pressão do que tinha. Aquela coisa do abrir a geladeira e a despensa, verificar o existente, criar um prato.
Outras, mais interessantes, talvez as mais divertidas, passeando pelos mercados, supermercados, mercearias, lojinhas, encontrando ingredientes instigantes, a me despertar a vontade de preparar alguma coisa, só para poder usar aquele achado.
Outros motivos: dominar um preparo, alguns temperos; homenagear uma pessoa, que tem um gosto especial, ou que se lembra e quer um prato; buscar um sabor, que veio de um restaurante que visitei; fazer algo novo, inusitado, para marcar um dia, uma data.
São tantos os motivos, que costumam se misturar, criando outros.
Um caso interessante aconteceu no já distante ano de 1996.
Naquele ano, no meu aniversário, estava inaugurando um novo escritório e uma nova atividade, chamei um grupo de amigos para um encontro neste espaço. Para que eles o conhecessem, para ser diferente.
Quem estiver pensando que tivemos um happy hour, coisa rápida, não tem ideia do que somos capazes. Rendeu, e muito, o encontro.
Eram amigos antigos, muito antigos, muito amigos.
De repente, sai uma conversa: são tantos anos de amizade, tínhamos que fazer, juntos, uma viagem. Viagem grande, marcante.
Ideia posta, ideia aprovada, como seria? Quando seria.
Como temos um colega desta mesma turma que vive em Paris, foi um processo rápido: um réveillon em Paris!
Conversa das altas horas, depois de muita cerveja, vinho, whisky, muitos acharam que era pura brincadeira, não ia vingar.
No dia seguinte, juntamos dois, meu grande amigo Calota e eu, que já conhecíamos um bocado de Paris, e fizemos um roteiro, apareceu um agente de viagens, o projeto começou a rolar.
Pulando etapas, acabamos em um enorme grupo de 70 pessoas, sendo mais de 45 nossas (as restantes, o agente aproveitou roteiro, descontos, data, montou um grupinho e completou a tropa), que a gente levou para 10 dias de viagem, por Madri e Paris, com direito a réveillon em um restaurante grego, quebrando pratos.
Mas o que esta confusão tem a ver com o nosso tema?
Acontece que o nosso amigo de Paris estava adorando a história, tinha pendores culinários, fez a proposta de receber o grupo para um almoço, na casa dele, com um cardápio bem francês, usando produtos locais.
Muitos e-mails e conversas depois, algumas coisas estavam definidas: teríamos 35 pessoas para o almoço; seria no final de semana, no segundo dia de Paris do grupo; muita champagne nacional; cozinha a quatro mãos; prato de maior peso – dois chapons recheados, que ele iria encomendar; todo o resto – sairíamos os dois, ele e eu, pelos mercados de perto da casa dele, e faríamos as compras, fechando o final da festança.
Embarcamos, passamos por Madri, chegamos a Paris, que nos recebeu com o brinde da neve, coisa quase impossível na cidade, nos finais de ano, e com um frio inédito, nos últimos 100 anos.
Dia seguinte, deixei o grupo a passear, fui me encontrar com ele, cuidar das providências do almoço.
Surpresas! Muitas!!!
Perdi duas mãos na cozinha. Ele estava apavorado com o tamanho do grupo, nunca tinha cozinhado para mais de 8 pessoas. Sobrou para mim.
No fina da brincadeira, servimos um banquete. E lá estavam os dois chapons, lindos, e um assado de corça, com molho de frutas vermelhas da região, e uma salada morna, com endívias e moela de pato, e mais entradas, acompanhamentos, muito champagne, gelado, à perfeição, na janela, enfim, uma festa!
E eu havia criado receitas com produtos interessantes do mercado, pata marcar uma data, usando coisas já adquiridas... Todo tipo de motivos.
Bom, passado o caso, retomamos o fio da nossa meada.
Uma outra forma de criar receitas é atendendo a pedidos, dos mais simples, aos mais complexos.
Uma vez, por exemplo, criei um cardápio para um serviço de banquetes. Todas as receitas Tinham que privilegiar apresentações grandes, com travessas para uma mesa de servir, com facilidade para os convidados.
Pouco tempo atrás, estava preparando um cardápio para um restaurante. Demandas diferentes. Precisava de pratos para servir finalizados, com bela aparência, para um público "A". Mas que tivesse um preparo condizente com um restaurante grande, de cozinha não muito grande. Hora de pensar em sabor, em qualidade, de preparos que pudessem ser adiantados...
Estava no meio deste processo, que me tomou mais de mês, contando casos do que estava criando, numa conversa com minhas filhas (que são quatro, que aprenderam a gostar de boas comidas, que tiveram aulas de culinária com o pai), tomei uma bronca, grande.
Que estava errado este negócio de só criar pratos para o restaurante, que eu tinha que voltar a inventar coisas para elas, como sempre fiz.
Desafio posto, cabia resolver.
Logo à frente, uma oportunidade: havia um almoço marcado. Mas o prato principal já estava definido, vatapá (depois eu dou a receita; mas é para baiano só lamber os beiços e pedir mais e querer saber como se faz). Assim, pensei na ideia de uma entrada, um primeiro prato.
Como todas amam risotos, um risoto. Como era para criar, inusitado. Como era a encomenda delas, ganhou o nome delas, o "risoto das minhas filhas".


Risotto delle mie figlie
Risoto de cenouras com portobellos e pernil picante
Corte pernil de porco (desossado) em fatias de 0,5 cm e faça com elas tirinhas de 0,5 x 0,5 x 3,0 cm. Tempere com sal, pimenta, alho, shoyu picante e um pouco de gim. Deixe marinar por pelo menos 30 minutos.
Frite na manteiga, adicionando um pouquinho de shoyu picante ao final da fritura e flambando com um pouco de gim. Reserve para o final (se preferir, faça a fritura básica e reserve; complete a fritura e flambe na hora de juntar ao risoto).
Prepare um fundo de legumes, acrescentando uns cogumelos de Paris (se for usar caldo pronto, procure os de funghi, são os melhores).
Salteie, na manteiga, cebola batidinha, junte cenouras baby (de preferências as Bonduelle, congeladas), e acrescente o fundo de legumes. Deixe cozinhar as cenouras, sem desmanchar. Leve ao liquidificador, bata bem, passe por uma peneira e reserve, em separado, o caldo e a massa de cenouras que ficou na peneira.
Comece o risoto, com o arroz arbório refogado na manteiga com cebola picada miudinha. Puxe com vinho branco seco, até começar a estalar.
Preparo do risoto de cenouras
Acrescente, aos poucos, o caldo de cenoura. Quando começar a dar o ponto, acrescente, junto com o caldo uma colherada de massa de cenouras (fazer de duas a três vezes, pelo menos). Acerte o tempero, com sal e pimenta. 
Acrescentar os portobellos (caso não encontre, pode usar champignon de Paris), que foram fatiados e salteados na manteiga, com sal e pimenta do reino. Acrescente o pernil pronto. Finalize com um pouco de manteiga e queijo grana padano, ralado na hora.
Na preparação do prato, como na foto inicial, sirva ladeado com um pouco de tirinhas de pernil, decorado com cogumelos inteiros, salteados na manteiga e temperados com sal e pimenta do reino, ciboulette picada, queijo e salsa crespa. 

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