Nesta vida de cozinhar, já inventei,
criei, centenas, talvez chegue à faixa dos milhares, de receitas.
Muitas vezes, por pressão do que tinha.
Aquela coisa do abrir a geladeira e a despensa, verificar o existente, criar um
prato.
Outras, mais interessantes, talvez as
mais divertidas, passeando pelos mercados, supermercados, mercearias, lojinhas,
encontrando ingredientes instigantes, a me despertar a vontade de preparar
alguma coisa, só para poder usar aquele achado.
Outros motivos: dominar um preparo, alguns
temperos; homenagear uma pessoa, que tem um gosto especial, ou que se lembra e
quer um prato; buscar um sabor, que veio de um restaurante que visitei; fazer
algo novo, inusitado, para marcar um dia, uma data.
São tantos os motivos, que costumam se
misturar, criando outros.
Um caso interessante aconteceu no já
distante ano de 1996.
Naquele ano, no meu aniversário, estava
inaugurando um novo escritório e uma nova atividade, chamei um grupo de amigos
para um encontro neste espaço. Para que eles o conhecessem, para ser diferente.
Quem estiver pensando que tivemos um
happy hour, coisa rápida, não tem ideia do que somos capazes. Rendeu, e muito,
o encontro.
Eram amigos antigos, muito antigos,
muito amigos.
De repente, sai uma conversa: são tantos
anos de amizade, tínhamos que fazer, juntos, uma viagem. Viagem grande,
marcante.
Ideia posta, ideia aprovada, como seria?
Quando seria.
Como temos um colega desta mesma turma
que vive em Paris, foi um processo rápido: um réveillon em Paris!
Conversa das altas horas, depois de
muita cerveja, vinho, whisky, muitos acharam que era pura brincadeira, não ia
vingar.
No dia seguinte, juntamos dois, meu
grande amigo Calota e eu, que já conhecíamos um bocado de Paris, e fizemos um
roteiro, apareceu um agente de viagens, o projeto começou a rolar.
Pulando etapas, acabamos em um enorme
grupo de 70 pessoas, sendo mais de 45 nossas (as restantes, o agente aproveitou
roteiro, descontos, data, montou um grupinho e completou a tropa), que a gente
levou para 10 dias de viagem, por Madri e Paris, com direito a réveillon em um
restaurante grego, quebrando pratos.
Mas o que esta confusão tem a ver com o
nosso tema?
Acontece que o nosso amigo de Paris
estava adorando a história, tinha pendores culinários, fez a proposta de
receber o grupo para um almoço, na casa dele, com um cardápio bem francês,
usando produtos locais.
Muitos e-mails e conversas depois,
algumas coisas estavam definidas: teríamos 35 pessoas para o almoço; seria no
final de semana, no segundo dia de Paris do grupo; muita champagne nacional;
cozinha a quatro mãos; prato de maior peso – dois chapons recheados, que ele
iria encomendar; todo o resto – sairíamos os dois, ele e eu, pelos mercados de
perto da casa dele, e faríamos as compras, fechando o final da festança.
Embarcamos, passamos por Madri, chegamos
a Paris, que nos recebeu com o brinde da neve, coisa quase impossível na
cidade, nos finais de ano, e com um frio inédito, nos últimos 100 anos.
Dia seguinte, deixei o grupo a passear,
fui me encontrar com ele, cuidar das providências do almoço.
Surpresas! Muitas!!!
Perdi duas mãos na cozinha. Ele estava
apavorado com o tamanho do grupo, nunca tinha cozinhado para mais de 8 pessoas.
Sobrou para mim.
No fina da brincadeira, servimos um
banquete. E lá estavam os dois chapons, lindos, e um assado de corça, com molho
de frutas vermelhas da região, e uma salada morna, com endívias e moela de pato,
e mais entradas, acompanhamentos, muito champagne, gelado, à perfeição, na
janela, enfim, uma festa!
E eu havia criado receitas com produtos
interessantes do mercado, pata marcar uma data, usando coisas já adquiridas...
Todo tipo de motivos.
Bom, passado o caso, retomamos o fio da
nossa meada.
Uma outra forma de criar receitas é
atendendo a pedidos, dos mais simples, aos mais complexos.
Uma vez, por exemplo, criei um cardápio
para um serviço de banquetes. Todas as receitas Tinham que privilegiar
apresentações grandes, com travessas para uma mesa de servir, com facilidade
para os convidados.
Pouco tempo atrás, estava preparando um
cardápio para um restaurante. Demandas diferentes. Precisava de pratos para
servir finalizados, com bela aparência, para um público "A". Mas que
tivesse um preparo condizente com um restaurante grande, de cozinha não muito
grande. Hora de pensar em sabor, em qualidade, de preparos que pudessem ser
adiantados...
Estava no meio deste processo, que me
tomou mais de mês, contando casos do que estava criando, numa conversa com
minhas filhas (que são quatro, que aprenderam a gostar de boas comidas, que
tiveram aulas de culinária com o pai), tomei uma bronca, grande.
Que estava errado este negócio de só
criar pratos para o restaurante, que eu tinha que voltar a inventar coisas para
elas, como sempre fiz.
Desafio posto, cabia resolver.
Logo à frente, uma oportunidade: havia
um almoço marcado. Mas o prato principal já estava definido, vatapá (depois eu
dou a receita; mas é para baiano só lamber os beiços e pedir mais e querer
saber como se faz). Assim, pensei na ideia de uma entrada, um primeiro prato.
Como todas amam risotos, um risoto. Como
era para criar, inusitado. Como era a encomenda delas, ganhou o nome delas, o
"risoto das minhas filhas".
Risotto delle mie
figlie
Risoto de cenouras
com portobellos e pernil picante
Corte pernil de porco (desossado) em
fatias de 0,5 cm e faça com elas tirinhas de 0,5 x 0,5 x 3,0 cm. Tempere com
sal, pimenta, alho, shoyu picante e um pouco de gim. Deixe marinar por pelo
menos 30 minutos.
Frite na manteiga, adicionando um
pouquinho de shoyu picante ao final da fritura e flambando com um pouco de gim.
Reserve para o final (se preferir, faça a fritura básica e reserve; complete a
fritura e flambe na hora de juntar ao risoto).
Prepare um fundo de legumes,
acrescentando uns cogumelos de Paris (se for usar caldo pronto, procure os de
funghi, são os melhores).
Salteie, na manteiga, cebola batidinha,
junte cenouras baby (de preferências as Bonduelle, congeladas), e acrescente o
fundo de legumes. Deixe cozinhar as cenouras, sem desmanchar. Leve ao
liquidificador, bata bem, passe por uma peneira e reserve, em separado, o caldo
e a massa de cenouras que ficou na peneira.
Comece o risoto, com o arroz arbório
refogado na manteiga com cebola picada miudinha. Puxe com vinho branco seco,
até começar a estalar.
![]() |
Preparo do risoto de cenouras |
Acrescente, aos poucos, o caldo de
cenoura. Quando começar a dar o ponto, acrescente, junto com o caldo uma
colherada de massa de cenouras (fazer de duas a três vezes, pelo menos). Acerte
o tempero, com sal e pimenta.
Acrescentar os portobellos (caso não encontre, pode usar champignon de Paris), que foram
fatiados e salteados na manteiga, com sal e pimenta do reino. Acrescente o
pernil pronto. Finalize com um pouco de manteiga e queijo grana padano, ralado
na hora.
Na preparação do prato, como na foto inicial,
sirva ladeado com um pouco de tirinhas de pernil, decorado com cogumelos
inteiros, salteados na manteiga e temperados com sal e pimenta do reino,
ciboulette picada, queijo e salsa crespa.
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