sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Muitas formas de cozinhar

Na nossa casa, somos dois cozinheiros!
Sem ficar na fácil falsa modéstia, somos dois cozinheiros de primeira!
Fazemos boa comida, saborosa. Damos prazer a todos que recebemos à mesa.
Mas somos imensamente diferentes.
Minha mulher fala que não se mete no que eu faço. Nesta coisa de inventar muitas modas, temperos de toda parte, sabores exóticos, ingredientes desconhecidos. Que o que ela faz tem raízes na cozinha da infância, na fazenda onde foi criada, onde aprendeu os caminhos do fogão bem cedo, ainda menina. Que os pratos dela são temperados com sal, alho, cebola, pimenta, umas poucas ervas da horta, muito carinho e capricho.
Mas são pura arte.
Uma costelinha com quiabo, um angu de milho verde com queijo, canjiquinha... As folhas da horta, o feijão simples, o melhor arroz do mundo, uma salada de batatas...
Posso enumerar muitos pratos.
Mas quero falar é desta diversidade, desta questão das formas de cozinhar.
Fico vendo este boom da culinária, a valorização do ser gourmet, este mundo de aulas por aí, em cada canto, com diversos objetivos, e me vem uma sensação ruim, de que não estão fazendo o certo.
Que ninguém se ofenda! Tenho certeza das intenções, da correção com que as propostas são entregues, são cumpridas.
Só não concordo que os caminhos são estes.
Ensinar técnicas, por exemplo. Não importa quais sejam (e ensina-se de tudo, de como cortar, com aquele charme de profissional, a como grelhar, cozer, fritar...), saber uma técnica, por si só, não faz um cozinheiro, muito menos um chef.
Passar receitas, ensinar pratos. Muito bom para impressionar os amigos. O aluno vai à aula, anota tudo, treina um bocado, e pode chamar as pessoas para sua casa e viver um momento de glória. Se transformou em cozinheiro de qualidade, em chef? Nem pensar.
Cozinhar, criar pratos, é coisa que vem de outros componentes, por principais.
Precisamos conhecer os produtos que usamos. Isto, sim, é fundamental. Tenho que saber, por exemplo, como se comporta uma batata, uma cenoura. Quais as diferenças entre as carnes, os cortes (me lembro de uma fala de um dos dois primeiros brasileiros a valorizar a carne, o Bassi ou o Wessel, não me recordo qual, que dizia que não havia carne de segunda, como se dizia rotineiramente, havia quem não soubesse o que fazer com uma peça de carne).
Precisamos conhecer os sabores, dos básicos aos elaborados, misturados. Os sabores compõem o nosso repertório. São as nossas referências para o que usar, quanto usar, para onde ir.
Sabedores de produtos e sabores, aí sim, precisamos conhecer algumas técnicas, básicas, de preparo dos pratos.
Mas nada das frescuras de segurar a faca assim, sacudir a frigideira assado. Muito bacana como show, só isto. Truques de salão. Ou de ficar colocando um monte de utensílios como obrigatórios para a cozinha. Pior ainda, ficar a por coisas no vocabulário das pessoas.
Deixemos tudo isto para os profissionais, se assim quiserem.
Produtos, sabores, repertório, técnicas básicas. Com isto se faz um cozinheiro.
Saber receitas, claro que é importante. Não para ficar a repeti-las, sem parar. Mas para que indiquem caminhos, para que abram a cabeça para as possibilidades.
Para passar ao estágio final, o de chef, o ingrediente que não se ensina: criatividade.
Mas que todos podem encontrar, se estiverem livres da camisa de força que são os ensinos tradicionais. Se todos se permitirem tentar, ousar, errar, refazer, acertar.
Comecei a cozinhar ainda menino. Primeiro para mim, depois para a minha casa, chamei os primeiros amigos, poucos, fiz almoços e jantares para mais gente, muita gente, passei para as centenas, cozinhei fora, do país, dos meus ingredientes, das minhas coisas, dividi cozinhas com profissionais, criei cardápios, treinei cozinheiros e chefs.
Agora, estou escrevendo, contando histórias, dando receitas.
Um dia desses, vamos começar a tentar ensinar, deste jeito que falei, para fazer cozinheiros, gente com liberdade, que possa criar.


Truta salmonada com molho de tangerina
Truta salmonada, com molho de tangerina
Nossa historinha
Como sempre, aparece um ingrediente novo, a gente experimenta.
Minha mulher sempre gostou de salmão. Mas com restrições. Não gostava da pele, às vezes achava o gosto muito forte, ficou sabendo que era uma carne gorda, piorou.
Numa ida ao Verdemar, ficamos conhecendo a truta salmonada. Magra, como truta, bonita como o salmão, saborosa, mas mais suave.
Virou um grande hit, na casa, na família.
E toma de preparar assim, assado, cada hora de um jeito. Mas sempre com simplicidade, para valorizar o peixe.
Íamos ter convidados, vem minha mulher e pede: quero servir uma truta, bem bonita. E diferente.
Partida para o supermercado, vistoria nos ingredientes, prato a caminho.
Ingredientes
Truta salmonada
Pimentão vermelho (em tirinhas)
Cebola branca (passada no processador e escorrida)
Alho em lâminas
Funcho
Alcaparras
Polpa de tangerina (se for época, pode fazer o suco direto da fruta ou comprar já envasado)
Caldo de legumes (se fizer em casa, melhor; se não, prefira o em pó)
Manteiga, azeite, maisena, sal e pimenta do reino
Preparo
Unte uma vasilha refratária com azeite (unte grosso, mexendo a vasilha até que todo o fundo esteja coberto) e salpique de cebola processada, formando uma cama.
Tempere a truta com sal e pimenta do reino (sempre pode ser usado o Aji-sal com pimenta, que fica ótimo), dos dois lados e coloque sobre a cama.
Espalhe lâminas de alho desidratadas, as tirinhas de pimentão (fazendo um belo desenho), um pouco de alcaparras (sem exagero, elas são apenas para compor) e, por último, as folhas de funcho. Termine o preparo com um fio de azeite sobre o peixe, cubra com papel alumínio e leve ao forno pré-aquecido.
Depois que ferver, descubra o peixe e deixe corar um pouco.
Na hora de servir, retire o funcho (que vai estar seco) que assou e coloque um novo, para enfeitar.
Molho de tangerina
Em uma panela pequena, coloque uma colherinha de manteiga e uma colher de sopa de cebola (uma colher rasa por polpa usada).
Deixe refogar um pouco e junte o caldo de legumes (se usar o pó, junte um pouco de água fervendo).
Coloque a polpa e deixe dissolver.
Engrosse com um pouco de maisena, dissolvida na água.
Corrija o tempero com sal e pimenta do reino. Sirva com cebolinhas verdes, bem fininhas, salpicadas por cima.
Aspargos verdes na manteiga
Truta salmonada, molho de tangerina, aspargos na manteiga
Nós adoramos aspargos verdes. Se você não tiver vontade de cozinhar, ou se achar difícil, uma boa ideia é comprar congelado e ter sempre no freezer. Vale a pena.
Depois, é só colocar os aspargos em um pouco de manteiga e temperar com um pouquinho de sal e pimenta.
Mesa pronta
A foto é da mesa final, com a truta, os aspargos, o molho de tangerina e um arroz branco, para completar.




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