terça-feira, 15 de outubro de 2013

Torresmo! Este é demais!!!

Antes de mais nada, historinhas...
Eu era menino, bem pequeno, provei torresmo, me apaixonei.
Na minha casa, sempre gostamos de boa comida, coisas gostosas.
Não havia, ainda, a chatice do correto, o medo de tudo. Era o império do sabor.
Conta a lenda que eu fui um menino muito difícil. Um pouco, certamente, por minha culpa (mas não sei quanto, creio que não era tanto). Um bocado, podem saber, pela ansiedade dos meus pais, marinheiros de primeira viagem, assustados com uma vida que não queria se acertar. E toma de cólica e choro. Pouco depois, com cerca de um ano, tentava andar, em um voador, as empregadas cuidando (ou não) de mim, puxo o fio de uma leiteira ebulidora, um banho de água fervendo, metade do corpo queimado. Só podia ficar chato. Comecei a dar trabalho para comer. Solução do momento, um pedacinho de bacon em cada garfada.
Só podia virar fã de torresmo.
E tinha meu pai, criado no interior, doido por uma carne mais gordurosa. Dia de lombo, final da refeição, pegávamos as gordurinhas que estavam aparecendo, picávamos, por cima um pouquinho de farinha, que delícia. Ou então, era vez de uma carne mais gorda de boi, torresminho de boi. Bom também!
Fui brincando de comer torresmo pela vida. Tomando nota, na cabeça, dos melhores, dos que mais pareciam com o meu gosto.
Pois torresmo tem disso.
O nome é um só. Mas nunca vi uma comida tão simples, de um ingrediente básico único, com um objetivo só, ter tantos resultados diferentes.
Mas não me preocupava com seu preparo. Sabe como é, quando tem para todo lado, você não fica pensando em fazer, apenas em escolher qual vai querer.
A vida correndo, eu sempre ligado em culinária, um dia uma notícia interessante, inusitada.
O grande mineiro Edgard Melo havia participado do Bocuse D'or (naqueles tempos de pré-globalização, as famas duravam mais; Paul Bocuse, super atuante, era considerado o maior chef do mundo e seu concurso uma seleção do que havia de melhor nas cozinhas), com a bandeira da cozinha mineira e um torresmo nas panelas!
Claro que fui à Petisqueira do Galo, que era comandada por ele, para conhecer aquela beleza.
E me convenci de que precisava, também, fazer o meu torresmo, de uma forma especial.
Passados tantos anos, não sei mais dizer como era o dele, tantos torresmos depois. Mas ficou o caso na memória.
Antes das receitas, uma última explicação: muitas são as formas de fazer, de apresentar. Nada é certo, nada é errado. Só não vale ser mal feito.


Torresmo do Vinício – torresmo de barriga na cachaça (o melhor)

Minha versão de torresmo de barriga é sequinha, dourada, crocante e tem um sabor inconfundível, fruto da cachacinha usada no tempero e no preparo.
Compre um bom toucinho de barriga, bem carnudo (em BH, prefiro o do Frigorífico Montalvânia, no Mercado Central; aproveite e peça para cortar, pois as facas deles e a técnica são ótimas).
Pique em pedaços de 2x2 cm (medidos na pele). Tempere com sal, alho, pimenta e um pouco de cachaça branca, de boa qualidade (atenção: lembre-se que o torresmo encolhe muito; assim, pense no sal em uma quantidade bem abaixo da usada para igual peso de carne; e não use porcarias, tipo 51 e Velho Barreiro – vale a boa máxima: o que não serve para beber, não serve para cozinhar). Deixe tomar gosto por pelo menos meia hora.
Separe uma panela pesada, que tenha boa tampa, coloque nela um pouco de banha de porco (não vale usar óleo), suficiente para dar uma fina camada assim que derreter, e deixe aquecer.
Coloque o toucinho e vá mexendo, como para saltear.

Tampe a panela e diminua o fogo, deixando no mínimo. O toucinho vai cozinhar primeiro, perdendo bastante água, e depois vai secar aos poucos, até que só fique a gordura e comece a fritar. Durante este processo, é importante mexer um pouco, pois a pele costuma agarrar no fundo. Isto deve ser feito com bastante cuidado, pois a pele literalmente estoura várias vezes, podendo jogar gordura quente bem longe.
Quando já estiver fritando, continue mexendo, até que comece a dourar.
Aumente o fogo, para máximo.

Atenção: é normal que dê espuma; ela só vai baixar quando estiver quase pronto.
Com ele bem dourado, acrescente um pouco de cachaça e misture bem (ela ferve de imediato; tome cuidado ao fazer esta parte).
Assim que você notar que já está sequinho, retire, escorrendo bem e ponha em uma travessa aberta, forrada com bastante papel toalha.
Deixe descansar antes de servir.
Na verdade, o torresmo só fica 100% crocante depois que esfria um pouco. Aí é que é hora de todo mundo se deliciar.

Este torresmo pode ser guardado pronto por alguns dias, em um vidro bem fechado.

Torresminho de composição para receitas diversas
Este torresminho é preparado usando o toucinho comum, com menos carne.
Pique em pedaços pequenos (abaixo de 1x1 cm), separando a pele do restante do toucinho.
Tempere com sal, pimenta, alho e um pouquinho de cachaça branca. Deixe tomar gosto por meia hora, no mínimo.
Prepare, em separado (peles e toucinho), da mesma forma como o de barriga, sem acrescentar cachaça no final. Lembre-se que é preciso mais banha para as peles, que não oferecem tanta gordura para derreter. Use em receitas diversas (farofa de torresmo; arroz de torresmo) ou como decoração para mexidos, tropeiro e outros.

Farofa de torresmo
Prepare os torresminhos de composição (receita anterior), até que estejam sequinhos.
Retirar uma colher da gordura que ficou, fritar cebola batidinha e alho amassado, colocar o sal e a farinha de mandioca (eu gosto muito da Zumbi).
Acrescentar uma colher de manteiga, para fazer uma farofa úmida (mas sem excesso).
Acrescentar os torresminhos (principalmente os de toucinho) na hora de servir, colocando uns poucos por cima (aqui, dê preferência às peles pururucadas).

Arroz de torresmo
Prepare um arroz branco bem soltinho (lá em casa, quem faz é minha mulher, na manteiga, com bastante alho; qualquer dia desses eu dou a receita). Pique cheiro verde, bem fininho, na proporção de 3 partes de cebolinha para 1 de salsinha. Quebre um pouco de torresminhos (com filme plástico e martelo de cozinha) e misture o arroz, o cheiro verde e os torresminhos triturados. Sirva enfeitado com torresminhos (como na farofa).

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